sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A noite convida (continuação de Noite Ladra)

E como ia ser agora? aquela manha acordou com um gosto estranho, talvez o amargo do arrependimento por não ter dito, ou só fosse o triste gosto da perda.
Tomou seu banho, deixou-se molhar, preparou seu chá de erva mate e durante o resto da primavera não choveu mais.

Seu nome era Beatriz, 23 anos, estudante de bio medicina, cursava o 5° período, era pacata, de feições tristes desde o ultimo Outubro, aquelas que ainda a cercavam esperavam que o calor do verão fosse capaz de descongelar toda a tristeza que havia se cristalizado dentro dela. Era Fevereiro, semana de Carnaval, longe das marchinhas, e todas as alegorias de felicidade que transbordava a cidade, e ela se mantinha refugiada no seu apartamento, no 14° andar, a comemoração mais intima que tivera foi com seu maço de cigarro, uma garrafa de vodka barata e um disco velho com as melhores canções de Maysa, estava lendo o mesmo livro desde que terminara o ensino médio, presente da mãe que morreu vitima da leucemia a quatro Verões atrás.

Andava por ai despenteada, com gravetos e flores entre os fios, ficar na praça em frente ao condomínio lendo era sua forma de escapar daquele verão tão quente, o banho era um costume que havia perdido, usava trapos e roupas velhas, mais era bonita, cabelos longos ondulados e castanhos, olhos verdes, o corpo era magro, e seu rosto era de certa forma angelical mais agora estava comum, simplesmente comum.

Pensava que estar mal era o preço a se pagar, por se sentir culpada, não, ela não era a culpada, foi ataque cardíaco fulminante, não haveria nada que ela pudesse fazer,e mesmo que ela tivesse saído para ver a noite, mudado de ideia, mal saberia ela que não iria passar do 7° andar com a mesma falsa felicidade que saíra, o máximo que teria tido era a chance de dizer "Eu te amo" "sempre te amei" antes do ultimo suspiro.

Era 25 de Fevereiro, chovia, a noite convidava, pensou, logo desistiu, desta vez não queria se molhar de lágrimas, queria sentir a chuva no cabelo, Como Luana queria sentir naquela noite de Outubro, estava frio, mais deixou o casaco na cadeira, foi pelas escadas, a chuva havia aumentado, havia alguém na praça.

- Oi - ela disse
- Sente-se - uma voz feminina respondeu

Ela ainda caminhava em direção ao banco, quando reparou no cabelo da moça.

- Está frio!
- Por isso o vermelho.

Luiza, sem identidade, sem idade, sem historia, apenas Luiza. Tinha olhos de um tom castanho misterioso, uma fisionomia de quem entendia a magia do circo, mesmo fazendo frio aquela noite, suas pernas estavam a mostra, usava apenas um grosso casaco vermelho, da mesma cor de seus cabelos, também usava uma cartola, a maquiagem estava borrada como a de uma bailarina que caiu em sua apresentação no Ballet Municipal, parecia ter chorado, mais não parecia triste.

-Beatriz
-Luiza

Bia sorriu

- O que fazes aqui? Está chovendo, faz frio.
- Vim só sentir a chuva e você?
- Tenho um encontro
- Não vejo ninguém e com essa chuva ele não deve vir.
- A noite me convidou, ela veio.
- Está nublado
- Mais ela veio


- De onde és?
- Não tenho lugar
- Todos tem um lugar
- Eu não, tenho vários, onde eu estiver será o meu lugar, agora é aqui
- Parece Loucura
- Parece Sedutor
- Sedutor?
- Sim, sempre deixo o mundo me seduzir, sempre que nos encontramos vou pra onde ele me convida..., sabe hoje eu vi um pássaro
- Um pássaro?
- Sim, vocês não reparam os pássaros, tem um monte ai pela cidade, quer ver um?
- Está chovendo
- Eles não ligam, sabem voar
- Queria saber voar
- Mais você não iria pra longe
- Não há como voar sem ser livre e vejo que você se trancou numa gaiola em que você mesma construiu.
- Como sabes?
- Eu simplesmente sei.


A porta se abriu, havia chegado ao 14° andar, pelo elevador, de certa forma estava calma, não era normal tampouco usual convidar uma estranha para entrar, mais a noite convidava.

- Café?
- Prefiro chá
- De maça?
- Com bolachas

Na Tv aberta passava alguns cultos religiosos e um ou outro programa ruim, Luiza escolheu um filme numa pilha de DVD’s piratas que estavam sobre o raque empoeirado, era um clássico, o nome não importa pois clássicos de amor são todos iguais, a mocinha conhece mocinho e cria antipatia por ele e ele também não gosta dela, até que o mocinho faz alguma coisa que mocinha curte, os dois se apaixonam, mocinho descobre algo que mocinha fez de ruim, ou então a mocinha descobre algo que o mocinho fez de ruim, a família de um não aprova o romance e o vilão ou a vilã possui uma paixão incontida pela mocinha ou pelo mocinho, um tenta provara para o outro que é uma boa pessoa, os dois se beijam e acabam felizes para sempre. ( ou as vezes um morre, pois um amor ideal só pode existir na ideia, então quando encontra o real não poder ser o ideal)

- Queria viver em um filme – Luiza quebrou o silencio
- Eu também, poderia voltar atrás e regravar meus erros
- Somente porque gosto das roupas
- Também há como ensaiar antes e você sabe o que vai acontecer, é só ler o script, décor...
-Gosto dos chapéus – interrompeu Luiza


- Parece que você não se importa, não leva a sério
- O que?
- A vida, tudo isso, você diz, fala, se arrisca, é tão livre, tão ...
- Feliz?
- Não, sim, talvez , mais não é isso e que você parece não se preocupar, simplesmente faz o que quer e não se preocupa com as consequências, com o futuro
- Me preocupo, com o hoje, Feche os olhos.
- Como assim?
- Feche, confie em mim, se arrisque

Durante o resto da noite não choveu, e aquele filme não era um clássico, não como qualquer outro.

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